Os marxistas estão certos
Há alguns meses, para preparar material para o Maravigolds (meu grupo de estudos sobre feminismo e relações raciais, que busca contribuir com o antifeminismo ao oferecer críticas ao movimento feminismo a partir do viés racial), fiz a leitura do livro “(In)justiça social: desmontando mentiras e teorias absurdas sobre raça, gênero e identidade – os males autoritários do politicamente correto”, de Helen Pucklrose e James Lindsay (2022).
Os referidos autores fizeram o seguinte apontamento: “Mais uma vítima do modelo interseccional “cada vez mais sofisticado” é o descaso pela variável mais materialmente relevante em muitos dos problemas enfrentados pelas mulheres (e por muitas minorias raciais e sexuais): a classe econômica. (…) O privilégio substitui a classe para os interseccionalistas. (…)” (p.97)
O privilégio é um conceito central nos cânones identitários e surgiu no debate público a partir da publicação do livro “White Privilege”, da escritora Peggy McIntosh, em 1989. A autora se dedicou a discutir o privilégio branco, mas “o conceito de privilégio social foi logo estendido a outras categorias identitárias – homem, heterossexual, cisgênero, magro, fisicamente apto e assim por diante.” (PUCLKROSE;LINDSAY, 2022, p.97)
O termo privilégio tem o intuito de descrever a falta de discriminação ou a falta de privação dos sujeitos inseridos nas categorias acima. Com isso, a consciência de privilégio substitui a consciência de classe.
Ao contrário do que a maioria das pessoas que se identificam como conservadoras podem achar, essa substituição (de classe para gênero/raça/sexualidade) desagrada e preocupa a esquerda econômica tradicional – os marxistas.
Para os marxistas tradicionais, parece irrazoável considerar que um homem heterossexual, branco e cisgênero, mesmo sendo pobre, seja mais privilegiado do que uma mulher negra, lésbica e rica.
O desenvolvimento e a difusão da teoria da interseccionalidade deu base para o ativismo político (e até estudos acadêmicos) concluir que o problema do Ocidente é o conjunto de homens heterossexuais, brancos e cisgêneros, tornando a luta de classes um problema secundário. Ou até mesmo inexistente.
No livro “Como o racismo criou o Brasil”, o Professor Jessé Souza (2021), ao tecer rígidas críticas ao conceito de lugar de fala desenvolvido pela Professora Djamila Ribeiro, aponta que “(…) falar de espaço social abstratamente, sem o pertencimento de classe, equivale a cometer o pecado para o qual Pierre Bourdieu (…) já havia chamado a atenção.” (p.27)
Mesmo reconhecendo que o racismo é um problema social grave no Brasil, o Jessé Souza (2021) demarca a distinção de classe: “as mulheres negras que estudamos na “ralé brasileira” (…) não me parecem ter nada em comum com Djamila, a não ser a cor da pele. Mesmo as mulheres brancas e pobres da favela, onde são evidentemente minoria, não me parecem ter qualquer semelhança com o mundo social de intelectuais negras de classe média” (p.30)
Souza (2021) aponta, ainda, outro problema com o conceito de lugar de fala: o silenciamento compulsório e autoritário. Ele diz: ” condenar ao silêncio o sofrimento da maioria e, ao mesmo tempo, dar visibilidade ao 1% dos negros e mulheres mais talentosos e mais aptos na esfera pública, de modo a parecerem “representar” todo o sofrimento social pelo simples fato de serem negros ou mulheres, não é um projeto pessoal de Djamila Ribeiro. Esse é o principal projeto político do capitalismo financeiro neoliberal há mais de 30 anos!” (SOUZA, 2021, p.31)
Jessé Souza é pesquisador ideologicamente filiado ao materialismo histórico e, assim como os conservadores, também aponta o autoritarismo que pode existir nas políticas identitárias.
Sobre o autoritarismo que emerge da postura iliberal do ativismo identitário contemporâneo, um exemplo parece conveniente.
Em 2021, Frances Widdowson, uma professora marxista da Mount Royal University (MRU), localizada no Canadá, foi demitida por confrontar a militância woke.
Para a Fox News, a Professora Widdowson afirmou que as políticas identitárias são “um desvio para distrair as pessoas de se concentrarem na natureza da desigualdade baseada em classes, que na verdade está enraizada em muitos dos desenvolvimentos que estão acontecendo no capitalismo tardio”.
A professora faz um alerta: “Estamos entrando em uma fase cada vez mais autoritária. As pessoas realmente precisam tomar conhecimento do que está acontecendo. E acho que as universidades foram o primeiro sinal de que estávamos com sérios problemas.”
A preocupação da professora é manifestada entre acadêmicos marxistas tradicionais e conservadores. A polêmica revista Compact nasceu dessa preocupação: dois conservadores religiosos e um marxista fundaram a revista com o objetivo de combater a “esquerda libertina e a direita libertária”
Matthew Schmitz, Edwin Aponte e Sohrab Ahmari fundaram a Compact com o objetivo de enfrentar “a superclasse que controla o governo, a cultura e o capital”. Trata-se de uma guerra para atacar o identitarismo de esquerda e de direita.
Assim como os fundadores conservadores, Edwin Aponte (o fundador marxista, que foi membro do Democratic Socialists of America) estava cansado das “políticas identitárias, vitimismo e interseccionalidade”.
O mundo é um corsa: ele não gira; ele capota!
Conservadores e marxistas lutando lado a lado contra um problema comum para ambos.
Dessa vez, os marxistas estão certos.
Referências:
PLUCKROSE, Helen. LINDSAY, James. (In)justiça social: desmontando mentiras e teorias absurdas sobre raça, gênero e identidade – os males autoritários do politicamente correto. São Paulo: Faro Editorial, 2022.
SOUZA, Jessé. Como o racismo criou o Brasil. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2021
Escrito por: Patthy Silva
Voluntário do IFL Brasil